Por Ivan Melo (19.05.2024)

“O modo japonês de ensinar e aprender qualquer coisa, seja arte, fazer sushi ou praticar Zen, envolve observar muito, eventualmente fazer, ficar super confuso e ainda assim não fazer perguntas, ter alguém inevitavelmente te corrigindo, e então continuar.”

– Gesshin Greenwood, “Bow first, ask questions later”.

 

Na minha primeira aula de Aikido, meu sensei me levou para o lado, me mostrou o mae ukemi (rolamento para frente) apenas uma vez, olhou para mim esperando que eu o copiasse e eu tentei o meu melhor para repetir o que vi. Quando ambos concordamos que eu não morri nessa primeira tentativa, fui deixado para fazer isso de novo e de novo. Ao demonstrar técnicas, ele só as mostrava 4 vezes na frente da turma (omote e ura).

Quando instruções e correções eram feitas durante o treino, fui ensinado a dizer “hai, sensei”, que significa “sim, professor”. Essas seriam seguidas por uma reverência, enquanto se dizia “domo arigatou gozaimasu”, que é uma maneira muito educada de dizer “muito obrigado” em japonês.

À medida que meu treino continuava, entendi que a maneira mais rápida e fácil de aprender era simplesmente dizer “hai, sensei” com a maior sinceridade possível e trabalhar no que fosse pedido de mim – mesmo que eu não compreendesse totalmente como ou o quê. Isso exigia de mim uma reflexão contínua sobre o que o sensei tinha apresentado a mim. Também percebi que as pessoas que tentavam negociar seu ponto de vista com o sensei faziam progresso muito lento e, frequentement, progresso nenhum.

Dizer sinceramente “hai, sensei” requer deixar de lado a mente egoica, aceitar o que foi apresentado, seja isso uma crítica ou um elogio.

Receber um elogio não significa que você alcançou a perfeição, mas é simplesmente mais um ponto de reflexão para que você saiba que sua direção, por enquanto, está correta. É especialmente útil quando você se perde, para que saiba como voltar ao caminho. Aceite um elogio, diga “hai, sensei” e continue.

Da mesma forma, uma crítica é um aviso de que você se desviou do caminho, um pouco ou muito, mas não significa que você está condenado (bem… geralmente). Diga “hai, sensei”, trate de consertar o que precisa ser consertado e siga em frente.

Quando estamos no meio do treino, não sabemos o que nosso professor está querendo e fazer uma técnica corretamente muitas vezes é um objetivo menor. Como seu sensei, às vezes tudo o que espero de alguns de vocês é que mantenham as costas retas ou liberem a tensão nos ombros. Às vezes, quero que alguém assuma o que já sabe e resolva algo por conta própria, mesmo que isso signifique que vai errar a técnica proposta por um tempo.

Por isso, na aula, discutir os “mas” e “por quês” deve ser evitado, e é por isso que, se você precisar instruir um colega aikidoka, faça o mínimo necessário ou pergunte ao sensei quando ele passar. Como ponto de reflexão, você já considerou que poderia estar errado e instruindo um iniciante que na verdade estava acertando antes?

Na nossa sociedade hiperindividualista, somos encorajados e recompensados a nos colocar no centro do mundo. No aprendizado tradicional, colocamo-nos sob uma hierarquia liderada por aqueles que vieram primeiro e, no topo, o sensei. Idealmente, quando você vem ao dojo (o lugar para praticar um caminho), vem aberto ao aprendizado; isso implica estar aberto à transformação, o que muitas vezes significa deixar de lado o que atrapalha seu aprendizado e aceitar o que alguém mais experiente que você está ensinando ou dizendo.

Como a citação no início do artigo atesta, esse modo de ensinar e aprender está embutido em toda a cultura japonesa. Durante as férias de Natal, estávamos fazendo okonomiyaki na casa da família da sensei Cathy (e aqui estou me referindo a ela como sensei, porque ela também é sua professora – não é como se chamássemos um ao outro de sensei em casa). Simplificando, okonomiyaki é uma grande (e deliciosa) panqueca salgada, onde você pode colocar todos os tipos de coberturas. É especialmente bom em Osaka, de onde eles são.

A mãe dela, que você pode ver às quintas-feiras durante a aula de armas, me deu algumas instruções sobre a preparação do prato na noite anterior. Ela me mostrou o que fazer apenas uma vez e rapidamente.

No dia seguinte quando estávamos prestes a começar a fazer o prato, ela me pediu para fazer o que eu supostamente havia aprendido na noite anterior. Quando hesitei, tentando lembrar os passos, recebi um olhar impaciente seguido de “você já deveria saber, eu te mostrei ontem”. Como eu não consegui fazer a parte mais complicada da preparação, fui então rebaixado a função de virar o okonomiyaki, que é provavelmente o trabalho mais fácil (embora, super importante também).

Tudo o que pude dizer foi “hai, sensei”, e esperar que consiga acertar da próxima vez.